Um Bolhão e uma Beltrão

Fui cutucada para fora da cama por um fuso trocado. Olhei o relógio sem qualquer preguiça e caminhei, pantufa e robe do hotel, até a sacada ainda molhada pela tempestade do dia anterior. Esperava o frio muito frio do Norte, mas senti gostosos 13 graus enquanto a (ainda) noite das 7:15hs se transformava em dia, pontualmente às 7:29 da manhã, com um coro de gaivotas anunciando a transição.

A vista é “brutal!”, me disseram. E era.

O Porto é mesmo lindo.

Não foi uma ou duas vezes que ouvi de amigos que moram por lá: “mas a Cristiana nunca vem aqui?”. Burramente, brasileiros têm a memória de distâncias muito grandes entre Norte e Centro Sul, mas são três horas que voam, especialmente para quem lê ou trabalha, no trem veloz que parte de Lisboa. Com wifi decente, carro restaurante e vista, me perguntava por que nunca tinha ido antes.

Mercado do Bolhão

Aliás, faria a viagem de novo e com gosto só para caminhar por entre as barracas e placas ‘mui ordenadas’ do MERCADO DO BOLHÃO, que funciona na Baixa desde 1839, quando ainda era um mercado de rua aberto. Naquele tempo, era zona enlameada atravessada por um regato que, bem ali, teimava em formar um…bolhão de água (eureca!). Desde 1924, com a Câmara Municipal tentando organizar a bagunça, é estrutura fechada, pavimentada, limpa e bem iluminada, com cobertura das galerias e tal.

“Maria do Álvaro”, “Temos Lata”, “As Irmãs Araújo”, “Inês das Plantas”, “Salsicharia Lindinha”, “Rosinha Florista”… As barracas são poesia auto-explicativa e conseguiram arrancar um sorriso a cada parada. Além da venda de grãos, frutas, legumes, carnes e peixes, embutidos, flores ou conservas, come-se muito bem por ali, em mesinhas espalhadas pelas laterais com direito a cerveja, copo de vinho e o melhor ponto final que conheço: a doçaria portuguesa.

Salão do Euskalduna

Quando marquei a viagem ao Porto, assim meio de surpresa, recorri aos amigos da área. Três deles me indicaram o EUSKALDUNA como melhor restaurante da cidade que, aliás, acaba de ganhar sua primeira estrela Michelin. A casa é feita de um balcão de 12 lugares e duas mesas de 4. Tudo muito bom, mas convém estar preparado para as quase 4 horas do menu de 10 passos. Dentre todos, uma lula gigante dos Açores que ganhou meu coração. Na base, os tentáculos em creme feito com arroz koji, echalotas e malagueta; o corpo vem no centro com uma espécie de beurre blanc feito com vermute no lugar do vinho branco e, por fim, um pó de tinta de choco e a raspa de um cítrico japonês. Recomendo fortemente a harmonização feita de vinhos menos tradicionais de pequenos produtores e gostei particularmente do espumante rosé de pinot noir da Quinta do Rol, 7 anos sobre as borras. Perlage delicinha. Essa vinícola de Lourinhã, aliás, é famosa por suas aguardentes de fazer inveja a qualquer Cognac (mas esse é outro texto).

Lula e Nage era o nome do prato perfeito

Salão do Almeja

Perto do Bolhão e para quem quer uma ótima cozinha à la carte, recomendo fortemente o ALMEJA (dica de Miguel Pires), estacionado naquele ponto perfeito entre o gourmet e o gostoso, em geral tidos como rivais. Não são e ali se pode provar. Tudo bem feito, elegante e bem montado, mas provoca algo mundano de “quero mais”.

Cabeça de Xara muito delicada – queria comer três

Todas as salas são acolhedoras de um jeito simples e retrô, mas fiquei no salão mais claro, ao fundo, que prometi revisitar no Verão. O menu e carta de vinhos são curtos, mas precisos. Tudo que provei (6 pratos porque, claro, ataquei o do vizinho…) estava delicioso. Destaco a tosta de cabeça de xara, escabeche e maçãs, linda e equilibrada. Em seguida, um imperdível arroz de cabrito e miúdos, cheio de colágeno, daqueles feitos com um caldo impecável, de estalar a língua. Para terminar, o bolo de tangerina com creme de limão, granizado de kalamansi (um cítrico do sudeste asiático) e soro de leite. Leve e ótimo, generoso, divertido. Uma pausa dramática para dizer que há outros dois menus de almoço, sendo que um deles custa 9,90 euros – espiei e parecia delicioso. O serviço de sala foi impecável (mérito de José Pedro): eficiente, discreto, mas também muito bem-humorado. Aliás, toda a gente do Porto é imensamente gentil.

Arroz de miúdos e cabrito – uma delícia

E assim terminou mais um dia feito de Bolhão, comilança e Beltrão com a (já) saudade embarcando comigo, na estação. Rimei.

https://mercadobolhao.pt/

http://www.euskaldunastudio.pt/

https://www.almejaporto.com/

Veja mais fotos do Bolhão e dos restaurantes, no destaque do Instagram [aqui].

9 comentários sobre “Um Bolhão e uma Beltrão

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