Uma cliente sem filtro – Café ao Leu

Pois é… agora dei para almoçar num lugar e tomar café no outro.

Lembro com saudade do café “globinho”, aquele laboratório portátil inventado na Alemanha de 1830, que parecia saído das minhas aulas de química. Achava lindo! Vinha o garçom com água, pó, fogo e pluft! Produzia a bebida magicamente. Por sorte, ignorava que o produto daquele tempo era péssimo. 

Desde que as cápsulas entraram na vida dos restaurantes, sumiram os globinhos e todo o resto, inclusive a maioria das máquinas de café expresso trabalhadas por baristas. Há cafés de cápsulas corretos, mas o pobre filtrado, antes comum em qualquer canto e minha escolha pessoal em 100% das vezes, passou a ser negligenciado, mesmo nas melhores casas. Virei aquela mulher que resmunga ao fim da refeição. 

O que ouço da maioria dos empresários é que pesquisar bons produtores e grãos, comprar equipamentos e treinar a equipe não é esforço que todo cliente valorize. Mais fácil servir um café de cápsula razoável do que ter mais essa dor de cabeça.

E assim, o café especial filtrado achou seu reduto em lojas especializadas ou é feito em casa. Virou coisa da tribo viciada em qualidade; aquela que não passa sem um café bem passado.

Escrevi sobre o incansável Léo Gonçalves na última coluna da Veja Rio [aqui], especialmente sobre o aspecto sustentável de sua empresa que investe em pequenos produtores e, por isso mesmo, acha fundamental apoiá-los, chova ou faça sol (literalmente). 

Léo acredita que quando se trata de qualquer produto agrícola – com certeza sempre afetado por chuvas, secas, pragas e outros fatores imprevisíveis – mais importante do que comprar um produto apenas quando está espetacular é comprar sempre daquela pessoa que persegue a melhor qualidade, diante de inevitáveis surpresas. O objetivo é manter o produtor vivo para, nos anos possíveis, ter o melhor. 

Pois bem, por culpa dele, ando almoçando mais em Copacabana. 

Seu Café ao Leu, um pequeno balcão com duas mesinhas na Almirante Gonçalves, pertinho do mar, é uma espécie de canto da sereia. Semana passada, antes que me desse conta, estava de pé com os olhos grudados nos movimentos circulares do bule que regava o “café do Clayton”. Bebi Clayton, Renato e, quando já estava na saída, decidi provar o “Filtrado da Casa”.

Do Clayton, um catuaí vermelho e amarelo do Alto Caparaó, delicado, complexo e aromático e o igualmente delicioso Renato, um catucaí 144, cereja descascado da Chapada Diamantina. Ambos no V60, com Felipe ao fundo.

Além de vender lotes específicos torrados na casa, como os “rapazes” que bebi e tantos outros, Léo também cria seus blends. Podem ser misturas de vários produtores, regiões ou ainda de cafés de uma só origem, mas sempre têm altíssima qualidade. O mais interessante? Ficam ali, bonitinhos, numa garrafa térmica.

A opinião do barista é que a garrafa térmica costuma ser vista como um vilão, mas não é. “Vilão é café de baixa qualidade que a pessoa coloca na garrafa que, rapidamente, fica com um sabor insuportável. Quando se trabalha com bons cafés, o método de preparo é só mais um detalhe e, ainda que esfrie, continuará com qualidade. Você pode até coar um Café ao Leu numa meia, que ele vai estar bom de beber. Claro que o importante é que a garrafa térmica esteja bem higienizada e, é claro, a meia também” – disse, brincando, e eu adorei.

Essa estória da garrafa térmica me encheu de esperança. Vou sugerir aos donos de restaurantes que não custa deixar uma ali num cantinho, com um ótimo café filtrado do Léu antes do turno, sem desviar a atenção das equipes na hora do show, com serviço rápido, sem estresse. Quem sabe?

Afinal, antes um bom filtrado na garrafa térmica do que eu, essa cliente sem filtro, resmungando no fim da refeição. 

website e pedidos, aqui

Instagram: cafeaoleu

lote de catuaí vermelho de José Alexandre Lacerda, vindo de uma saca esquecida na lavoura que fermentou espontaneamente emprestando aromas incríveis à bebida. Um dos vários lotes em edição limitada que aparecem por lá.

3 comentários sobre “Uma cliente sem filtro – Café ao Leu

  1. Que delícia! Café ao Leu merece demais esse reconhecimento. Também não entendemos o motivo termos ficado reféns dos expressos (nem sempre bem tirados) ou “Nespressos” da vida. Já fizemos isso também: de almoçar num hotel aí perto e ir ao Leu finalizar com seus excelentes cafés. O Bazzar era um dos raríssimos restaurantes que íamos sem resmungar ao final pois você sempre prezou por esse grand finale. Desejo que seu exemplo inspire outros locais a investirem nisso, mesmo que seja numa boa térmica com cafés filtrados de qualidade. Lembro agora dos cafés pelos brunchs da cidade: já começo a resmungar novamente… hahahaha.

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