Maison Zugno – Jura

Do lado de lá, a estrada. Afinal, a casa já foi um entreposto dos Correios no século XVII. Do outro, a paz.   

Com 9 quartos de frente para o verde, há ciprestes, o jardim, uma pequena horta, a piscina que só abre quando o frio não mergulha e, se andarmos um tanto para a esquerda, o cobiçado círculo de concreto chamado Observatório: um chalé isolado com vista espetacular o vale.   

a vista do Observatório

O Jura costuma ser endereço de vários projetos de sonho, como o de Nicolas e Laurence Zugno, o casal adorável que faz absolutamente tudo por ali, inclusive ganhar 5 estrelas para o seu hotel, este ano. Num modelo meio “Feitiço de Áquila”, avistávamos Laurence pela manhã, no serviço de café, e Nicolas, à noite, coordenando o jantar. A intersecção dos dois acontece com o lindo filho Mattéo e os cachorros silenciosos na área privada do casal, que divide o térreo com a recepção, o bar e o restaurante.   

Aqui, exibo minha incrível vocação para fotos tortas

A posição, ali, é estratégica (sempre escolhi hotéis que fiquem a dois passos dos caprichos do meu estômago). Poligny, a capital do queijo Comté, com bons restaurantes, lojas e café, fica a 5 minutos de carro; Arbois, capital dos vinhos do Jura, a 17; Port-Lesney e seu Relais e Chateaux sobre o qual já escrevi aqui, a 26 minutos; Château Chalon e seus incríveis vin jaune, a 15; a Suíça a pouco mais de uma hora de estrada; e a incrível vista de Baume des Messieurs, com suas cachoeiras e trilhas para digerir a comilança, a 21 minutos do hotel. Não sou besta, não.  

Na Maison Zugno, começava e terminava meus dias, recheando o intervalo com esses pequenos trajetos. Então jantava, ao som de um jazz impecável, um menu surpresa de 3 ou 5 etapas criado diariamente a partir do que há de fresco no mercado pelo chef Quentin Defert e serviço do simpático Thibault.  

Vista lateral do restaurante

A cozinha do hotel é bastante particular, para quem gosta de especiarias e combinações ousadas e – podem ter certeza – é bem mais leve que a média local. Num dia qualquer a surpresa pode ser um bolinho de queijo comté com trigo sarraceno e beterraba como amuse bouche; quem sabe uns cogumelos de paris crus com lascas de comté, emulsão de morilles, pozinho de cèpes e óleo de nozes; uma truta com batatas dauphine e molho feito com vin jaune e farinha de milho; talvez uma sobremesa de morangos frescos e suspiros, para arrematar.   


cogumelos de paris crus com lascas de comté, emulsão de morilles, pozinho de cèpes e óleo de nozes

Nicolas se encarrega pessoalmente da carta ótima, que – como manda a região – é recheada de vinhos orgânicos, biodinâmicos e naturais.   

No dia de nossa chegada, não quisemos jantar e o casal improvisou um prato de queijos no quarto, com gelatina de vin jaune, pães de fermentação natural e uma taça de Château Chalon. E eu pergunto: há algo mais 5 estrelas que isso? 

Zerlina 2018, do Octavin. Babando a lembrança…

Maison Zugno

https://www.maison-zugno.com/fr/

Quando a pompa rima com a circunstância – Maison Jeunet, Jura

Ali, os galos têm medo de vinho.

Pé ante pé, virando a cabeça rapidamente, com aquele olhar paranoico que só galináceos sabem ter, não se assustam com predadores habituais como os gambás, gaviões e tal; têm os olhos pregados nas estrelas Michelin do restaurante do outro lado do jardim. Será que amanhã é dia de coq au vin jaune?

Há muito que as circunstâncias acabaram com a pompa. Para se conseguir uma estrela Michelin ou posição no guia 50Best, ninguém precisa mais de 200 cabeças no salão, toalhas nas mesas, maîtres de paletó, guardanapos de tecido ou talheres infinitos, mas se há algum lugar no mundo em que fazem sentido, é ali.

O antigo pavilhão de caça do Marquês de Germigney, do século XVIII, com seus jardins infinitos, lagos, bosques, só poderia virar um elegante Relais & Chateaux, que só poderia abrigar o duplamente estrelado Maison Jeunet, o mais puro suco de pompa e circunstância.

Hoje em dia, alguns destes cenários parecem um filme de época com erro de continuista, que deixou passar o sujeito de tênis, a mulher de camiseta surrada e eu, com giga-bolsa a tiracolo, câmera e bloco de notas inadequados espalhados pela mesa, já que caminham sozinhos.

O melhor daquele ambiente elegante e equipe idem era a falta de afetação: o maître foi talvez o mais gentil em muito, muito tempo, atento a tudo e todos com seriedade sorridente; o garçom afegão, figura esguia e alta, era simpático e didático na explicação dos pratos; e a sommelière novinha, com seu olhar concentrado, fez um bom serviço de vinhos, predominantemente de orgânicos e biodinâmicos, a começar por um crémant du Jura, absolutamente delicioso, do Pignier.

Os pães são um capítulo à parte e valem a viagem, especialmente o de farinha antiga, feita em moinho de pedra. Um “very amusing bouche” de trufa do Périgord com toquezinho de aipo estava muito equilibrado e a manteiga de calêndula vinha com um pratinho de pimentas que era uma reunião da ONU: Vietnam, Madagascar, Indonésia e um pouco de França: um parque de diversões aromático. 

O menu era o que eu esperava, a feliz junção dos ingredientes da estação com vinhos locais (ai ai…) regando as receitas.

das vantagens de beber produtores locais

Aipo em diferentes texturas com espuma de vin jaune;

Batata com alho selvagem, cebolas e caldo quente de cebolas;

Delicadíssimo féra, um salmonídeo do Lago Leman que vinha pochê com couve-rábano e caldo defumado de peixe com manteiga de savagnin.

Queijo de ovelhas em duas versões: a telha com o queijo mais maturado e a emulsão com queijo mais jovem, sobre o pistou de rúcula (o pesto francês, sem queijo) e radicchio;

Um delicadíssimo sorbet de beterraba selvagem, naquele lugar perfeito de não ser doce ou salgado.

Um filé absurdamente macio, maturado pelo açougueiro loca Thomas Bessete, com espinafres de Primavera e amêndoas.

Mil folhas de farinha de milho com purê de maçã, sorvete de baunilha e açafrão do Jura, com farinha de milho salpicada no topo. Muito bom.

Esse, acreditem, era o cardápio menor. 

Apesar da quantidade de pratos, o menu leve e baseado em vegetais ainda teve a digestão facilitada pela caminhada pela propriedade, ao final. Não pesou em nada.

Cruzei o imenso jardim e fui ter com o galo, que lamentou a existência de um outro menu (coxas, peito, miúdos e tal), feito com as espetaculares aves de Bresse da fazenda vizinha, de Rachel Voissard.

Me olhou com os olhos tranquilos de quem sabe que o salvo conduto diário só chega ao fim da preparação do almoço, quando recebe as cascas de legumes da cozinha para ciscar, sem que tenha sido parte do mis-en-place.  

Visite o site do restaurante, aqui: Maison Jeunet

Mais fotos do local no meu Instagram, aqui