
“Aqui na Inglaterra, não crescemos comendo bons peixes”, comentava Andy.
Fish & chips (peixe empanado com batata frita) é prato que se encontra em qualquer canto da Grã-Bretanha, mas surgiu sem pretensão de estar associado à qualidade. Nasceu há mais de 160 anos, como comida popular, barata e prática de uma classe trabalhadora cercada pelo Atlântico Norte.
A frase aqui do início foi do chef Andy Benon, a estrela mais rápida do Oeste. Explico: Andy conseguiu merecer sua primeira estrela Michelin com apenas 20 dias de funcionamento do BEHIND, seu balcão de peixes e frutos do mar, em Hackney. E imagino exatamente como aconteceu…

Entendi que o jogo ali era outro no momento em que dei o primeiro gole em um caldo de camarão límpido e perfeito – de outro planeta – que abria o menu degustação. Tomei de olhinhos fechados, alternando dentadas no pão de erva-doce e na deliciosa tartelette de ervilhas, quando chega o chef com um espumante inglês nas mãos.

Mas preciso começar do início.
Hackney, uma das áreas mais pobres de Londres nos anos 80, passou por um processo de gentrificação e animadas mudanças até ser eleito agora, em 2023, como o bairro mais “cool” da capital. “Badaladices” à parte, é ali que fica o BEHIND, o balcão de 18 lugares de onde se pode avistar a cozinha com distância suficiente para não defumar os cabelos e a roupa, funcionando em apenas dois turnos: um no almoço e um no jantar.
Posso dizer sem medo que foi uma das melhores refeições do ano, e já estamos na segunda metade do jogo. Ao contrário da cansada fórmula de soterrar peixes e frutos do mar com uma quantidade absurda de manteiga (gordura vende), o restaurante valoriza os elementos, a acidez e o sabor puro das coisas. Em vez de usar mais sal na comida, por exemplo, prefere achar ingredientes naturalmente mais salinos, como algas.
O espumante que abriu os trabalhos foi o melhor dos 6 que provei no país. Era o Langham Corallian Classic Cuvée, sem tanto açúcar residual como seus pares e perfeito para acompanhar o cardápio, já que tem boa nota cítrica e as uvas plantadas perto do mar e emprestam muita salinidade ao vinho.
Falando em sabores puros, impressionante a ideia de combinar a untuosidade das vieiras de Orkney com a acidez dos morangos da estação. Dois elementos e um resultado equilibradíssimo.

Poderia falar de vários pratos, mas destaco:
1) a truta curada com método japonês (himono) e cozida em salicornia, pesto concentrado de abobrinha e um brioche de limão com amêndoas, de gritar;

2) o divino monkfish da Cornualha com 3 pimentas (verdes, em salmoura, pimenta rosa e do reino fresca) e molho caprichado no colágeno (combinou perfeitamente com um St.Aubin);

3) um ótimo drink do meio do caminho feito de ruibarbo, maçã e espuma de maçãs granny smith, sem nenhuma adição de açúcar;

4) a INESQUECÍVEL mousse de chocolate branco com pistache, cerejas frescas e hortelã por cima, sorbet de cereja amarga e gergelim.

Tudo equilibrado, de cabo a rabo, num menu criativo de tamanho palatável.
Andy Beynon pode até não ter crescido com bons peixes, mas todos os peixes que provei cresceram, e muito, com Andy Beynon. Espero que a próxima estrela chegue… e rápido.
BEHIND: https://www.behindrestaurant.co.uk/
